Mecanismos de Ação

O O2 é reconhecido como substância farmacologicamente ativa na terapia hiperbárica pela FDA (USA). Com isso, transformou-se em droga considerada em determinados casos como o único método terapêutico de escolha capaz de reverter quadros clínicos graves e de grande índice de mortalidade (97%), qualificando o oxigênio em condições hiperbáricas como essencial em terapia consagrada e amplamente utilizada na prática médica.

FISIOLOGIA

As bases fisiológicas da Oxigenoterapia Hiperbárica podem ser divididas em dois grupos:
– efeitos ligados à compressão;
– efeitos provenientes dos benefícios da administração do O2 em pressões superiores à atmosférica, ou seja, como substância farmacologicamente ativa.

Efeitos ligados à compressão

O aumento da pressão reduz os êmbolos gasosos, em razão da lei de Marriote (à temperatura constante, o volume do gás é inversamente proporcional à pressão). Essa propriedade física é utilizada para diminuir o volume das bolhas gasosas patogênicas nas embolias gasosas e nos acidentes de descompressão.

Efeitos da elevação da pO2

O O2 é transportado pelo sangue de duas formas: combinado à hemoglobina (HBO2) ou dissolvido no plasma. No ar ambiente, a oxigenação tissular é essencialmente assegurada pelo O2 ligado à hemoglobina, que já está saturada em cerca de 97%. Com a elevação da pressão e a administração do O2 a 100% a 3 ATA, a quantidade de O2 dissolvido no plasma (6ml por 100ml) é suficiente para cobrir as necessidades e assegurar o transporte de O2, seja por alteração funcional da hemoglobina (intoxicações), falta absoluta de hemácias (anemias) ou correção de deficiência na perfusão tissular (insuficiências vasculares de qualquer origem).

Outros efeitos

– Efeito bactericida e bacteriostático: o conceito clássico de aeróbio/anaeróbio deve ser revisto, considerando-se que inúmeras bactérias ditas anaeróbias mostram certa tolerância ao O2. Por outro lado, o O2 não é uma substância farmacologicamente seletiva. As bactérias aeróbias mostram por vezes uma resposta bifásica ao aumento da pressão parcial do O2 (pO2). O aumento da pO2 entre 0.6 1.3 ATA aplicado às culturas de Corynae bacterium diphteriae; escherichia coli; pseudomonas aeruginosa e staphilococos áureos, aumentam a reprodução das bactérias, porém, a partir de 1.3 ATA, a multiplicação é inibida.

– Efeitos sobre a capacidade fagocitária dos polimorfonucleares: os processos oxigeno-dependentes correspondem a 60% do poder fagocitário dos polinucleares. A importância desse mecanismo é ilustrada na clínica pela granulomatose crônica, doença caracterizada por infecções de repetição, nas quais os leucócitos mostram uma capacidade oxidativa muito diminuída. A partir dessas constatações, Hohn demonstrou que nas condições de hipoxia, os leucócitos tinham o poder fagocitário muito diminuído, semelhante àquele encontrado nos portadores de granulomatose crônica e que a utilização do O2 a 100% sob pressão seria a única maneira de normalizar a capacidade fagocitária.

– Efeito vasoconstrictor: é utilizado no tratamento dos edemas cerebral e medular. A circulação sangüínea do SNC é produto de uma auto-regulação que a torna relativamente independente do débito sangüíneo e, por outro lado, essencialmente dependente das pressões parciais de CO2 e de O2.
O débito sangüíneo cerebral diminui em 13% a pressão de 1 ATA e para 30% a 2 ATA. À pressões superiores, esta redução atinge um platô ligado à não-eliminação do CO2 pelo paciente.
Esta vasoconstrição hiperóxica, confirmada angiograficamente, é utilizada no tratamento dos edemas cerebral e medular, associada a uma hipocapnia imposta, para impedir o aumento da pressão intracraniana nas zonas onde seria patogênico. O efeito vasoconstrictor pode ser também utilizado para a realização de cirurgias e sangue (Universidade de Moscou).

– Efeito metabólico cicatrizante: a Oxigenoterapia Hiperbárica favorece a síntese do colágeno pelos fibroblastos, processo fundamental na cicatrização, sendo largamente utilizado como coadjuvante terapêutico em lesões infectadas ou não (escaras de decúbito, enxertos cutâneos etc.).

2.1 – Compensação de hipóxia celular-angiogênese-osteogênese

O estímulo básico para a migração, divisão e síntese de colágeno por parte dos fibroblastos é a hipóxia. No entanto, são requeridos níveis mínimos de oxigênio para que estas células desempenhem seu papel, o que não se observa nos portadores de processos refratários à regeneração devido à existência de um processo isquêmico.

Deste modo, a ocorrência da alternância de estados de hipóxia-hiperóxia observada nesses pacientes quando submetidos a sessões intermitentes de OHB, conduzirá a uma estimulação máxima da atividade fibroblástica no tecido isquêmico, com o desenvolvimento subseqüente da matriz de colágeno, indispensável para a neovascularização.

Este mecanismo de ação é observado em casos de úlceras refratárias, queimaduras, enxertos, e retalhos comprometidos, lesões por radiação, assim como em tecidos ósseos infectados, através da normalização da atividade dos osteoblastos.

2.2 – Efeito antibacteriano

O efeito antibacteriano direto de oxigênio sob pressão ocorre devido à grande vulnerabilidade de anaeróbios estritos, aeróbios microaerófilos e aeróbios facultativos aos radicais livres. Além disso, a hiperóxia inibe a produção e a atividade da alfatoxina produzida pelo Clostridium Perfringens, responsável pelo estado toxêmico do paciente vítima da infecção.

A ação antibacteriana indireta do oxigênio sobre aeróbios se processa através da ação oxigênio-dependente dos leucócitos polimorfonucleares. Embora na vigência de hipóxia os mesmos possam fagocitar células exógenas e inativar certas espécies, a função de oxidação é sensivelmente comprometida na vigência de uma baixa pressão parcial de O 2 local, diminuindo sua eficiência bactericida. A hiperóxia restabelece níveis de oxigênio normais que permitem que os polimorfonucleares oxidem bactérias tais como estafilococos aureus e epidermidis, pseudomonas aeruginosa e escherichia coli.

2.3 – Ação bioquímica

A oxigenoterapia hiperbárica promove a reversão de reações bioquímicas estáveis envolvendo substâncias tóxicas ou toxinas biológicas. Este efeito é notável no caso do monóxido de carbono. A grande afinidade de ligação deste gás com a hemoglobina e outras proteínas contendo o grupo heme, tais como a mioglobina e citocromos, impede a ação do oxigênio em vários níveis. A oxigenoterapia hiperbárica promove a rápida dissociação da carboxihemoglobina, promovendo a adequada oxigenação dos tecidos nobres – os primeiros a se ressentirem da redução da oferta de oxigênio – especialmente o miocárdio e o tecido nervoso.

2.4 – Efeito anti-edematogênico

A oxigenoterapia hiperbárica produz vasoconstricção arterial acentuada, proporcionando, apesar deste fenômeno, um aumento da oferta de oxigênio aos tecidos. A notável redução do aporte sangüíneo em alguns tecidos promove uma diminuição significativa de edemas, o que é bastante útil no combate ao edema cerebral e naqueles observados nas síndromes compartimentais.

2.5 – Efeito mecânico da pressão

A introdução de ar no sistema circulatório, decorrente de iatrogenia ou de descompressões intempestivas durante a prática de mergulho, acompanhadas de expansão de gases nos alvéolos pulmonares e subseqüente rotura, pode causar embolia gasosa arterial com comprometimento neurológico grave. A compressão imediata do paciente terá como conseqüência uma redução das bolhas de ar na circulação cerebral, restabelecendo-a prontamente. Além disso, a hiperoxigenação a que o paciente está submetido aumentará o gradiente de difusão pulmonar do nitrogênio, promovendo a eliminação do conteúdo deste gás das bolhas de ar.

2.6 – Interações medicamentosas

A oxigenoterapia hiperbárica potencializa a ação de certos agentes antimicrobianos, tais como as sulfas, aminoglicosídeos, vancomicina, cefalosporinas e drogas antilepromatosas, assim como de certos diuréticos, antiarrítmicos, hipotensores e sedativos.